Seguro: infraestrutura econômica da neoindustrialização
É tempo de pautar a integração do seguro à política de desenvolvimento industrial
Vítor Boaventura
A apresentação do Plano de Ação para a Neoindustrialização do Brasil pelo Governo Federal é um fato relevantíssimo para o desenvolvimento econômico do país nos próximos anos. A articulação de governo, indústria, investidores, organizações do mundo do trabalho e demais entidades da sociedade civil organizada para orientar estrategicamente a alocação de recursos com o objetivo de desenvolver a indústria é fundamental para que o Brasil realize o seu potencial de crescimento econômico com inclusão social.
Nessa profunda reflexão sobre os rumos da indústria brasileira, no entanto, há uma notável ausência que deve ser registrada: o seguro. A conexão do seguro com o desenvolvimento da indústria é umbilical. O seguro é uma infraestrutura essencial para a economia industrial ao canalizar recursos da poupança popular sob a forma de investimentos produtivos e proteção frente aos riscos inerentes ao empreendimento industrial.
Historicamente, o seguro desempenhou um papel chave para o desenvolvimento da indústria. Neste momento não seria diferente. Em sendo perspectiva brasileira a de construir aqui uma nova indústria forte, transformadora e sustentável, muito acrescentaria ao êxito desta pretensão um olhar mais sensível para o seguro. Para tanto, não bastaria apenas conectar as políticas industriais e de seguro, mas de efetivamente integrar economicamente os objetivos da indústria com os objetivos e planejamento estratégico do setor de seguros.
Isto apenas seria possível por meio da participação de todos os atores do ecossistema da indústria sob a coordenação do governo federal, visto que a lógica e os objetivos cogentes do seguro e da indústria não tendem necessariamente a um alinhamento. O seguro é suscetível à lógica da financeirização, processo que prejudica o desempenho da sua função social ao (i) prejudicar a melhoria da qualidade da avaliação dos riscos (subscrição) e ao (ii) criar incentivos econômicos que privilegiam a obtenção de resultados financeiros a partir dos investimentos financeiros feitos pelas seguradoras em detrimento dos ganhos obtidos pela qualidade da subscrição. Nesse processo, se verifica uma espécie de precarização do seguro, com a piora na qualidade da subscrição, depressão das coberturas e o abandono, pelo segurador, do cumprimento dos seus deveres de prevenção e monitoramento dos riscos aceitos. Além disso, a seguradora pode abandonar a noção de lucratividade a longo prazo por estar muito focada na produção de resultados de curto-prazo para a distribuição do máximo de lucros possível aos acionistas.
Daí a necessidade do aprofundamento da cooperação institucional entre Ministérios e autarquias reguladoras para a implementação de políticas públicas capazes de neutralizar os impactos da financeirização do seguro por meio da implementação de uma política regulatória voltada à governança das seguradoras ao mesmo tempo em que promove a sua integração de objetivos do setor de seguros com aqueles traçados pela política industrial. O mercado segurador, a indústria e a sociedade civil deveriam participar ativamente desse processo, os inputs para a atualização das políticas industrial e de regulação da atividade seguradora, assim como posteriores métodos e critérios para avaliações da implementação dessas políticas.
Nesse ambiente, destaca-se o Comitê Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), que poderia sediar as necessárias e urgentes deliberações a respeito do multiverso de temas de interseção entre a indústria e o seguro, e que foi retomado pelo Governo Lula. No entanto, não se tem notícia de que o CNDI tenha pautado ou sido palco de qualquer discussão com foco na interseção entre a indústria e o seguro. Essa ausência se refletiu no próprio Plano de Ação para a Neoindustrialização do Brasil, que praticamente não menciona o seguro, tendo apenas ressaltado a importância do seguro de crédito à exportação e comentado a provisão de recursos públicos na provisão dessa garantia relevante às transações comerciais.
Se a volta à cena da política de desenvolvimento industrial é de grande relevância para soberania econômica do Brasil castigado pela desindustrialização neste desafiador século XXI, o seguro, por ser elemento indispensável de qualquer política industrial, deve estar contemplado, e efetivamente fazer parte da nova política industrial.
Vitor Boaventura, Advogado, Professor Convidado da Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Regulação pela London School of Economics and Political Science (Reino Unido). Membro do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) e da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD).